09 novembro, 2011

Outono, 1998




Tinha chovido e a humidade sentia-se por todo o lado, no ar, nas plantas, na terra lamacenta, nas árvores, e nos bancos de jardim, que não nos deixavam sentar. O sol de vez em quando lá raiava, entreaberto entre nuvens cinzentas e um vento agradavel que empurrava folhas de Outono até nós. Sentia-se já o fim do Verão,altura em que temos de colocar mais um agasalho para sair à rua.
 A ventania e a chuva fizeram o palácio deserto,  habitado apenas por nós dois,e tanta era a nossa alegria que nem nos apercebemos de que estávamos sozinhos . Chuviscava mas mesmo assim ,não deixamos de percorrer o jardim e de subir a pequenina torre de castelo para podermos avistar a foz e o Douro.
Uma neblina enorme que vinha do mar ia se aproximando da ponte onde carros passavam acelerados lá bem no alto.
E tu abraçaste-me e naquele momento o teu abraço pareceu-me tudo. Ficamos escondidos com conversas tontas, sorrisos ternos, entre abraços e beijos. Quando o dia começou a dar-se por encerrado e o pequeno sol de Setembro pousava no mar criando reflexos no céu, tu pegaste na minha mão e levaste-me dali até casa.
Tinha-te conhecido misteriosamente, numa dessas ocasionalidades que a vida nos oferece e sem saber nada de ti deixei-me rapidamente encantar. Começamos a fazer tudo juntos e a partilhar momento, que até então desconhecia.
Deste-me a conhecer a tua musica, os teus filmes preferidos, ouviste as minhas histórias, os meus desejos, as minhas magoas, as minhas esperanças, os meus sonhos mais estúpidos e ridículos, apresentei-te os meus amigos, e tu transformaste-me numa boémia levando-me a bares que desconhecia, saltamos de alegria com as mesmas ocasiões,cantamos juntos e um dia, beijaste-me como ninguém o tinha feito então e juntos prometemos ser felizes para sempre, como dois jovens inocentes e doidos que nós éramos.
O tempo ia passando e nós ficávamos cada vez mais próximos. Tu escutavas-me, ajudavas-me nos meus exames na faculdade e eu gritava e  por vezes também nos enervávamos  e explodíamos. Fazíamos tudo juntos e o tempo passava….
Ficamos depois sentados num banco onde se avista o mar. O Sol iluminava toda a cidade e o céu enchia-se de tons laranjas, que nos aquecia a cara. As gaivotas esvoaçavam ao nosso lado e o parque ia ficando deserto e escuro.
-És tão bonita Raquel…Um dia vamos casar e ter muitas meninas, para poderem ter esses teus olhos e esse teu cabelo negro.- Dizia-me olhando-me nos olhos.
- Carlos!Não digas disparates…- e ria-me.
Mais que namorados, éramos os melhores amigos um do outro e conseguíamos sempre nos respeitar mutuamente.
No Outono seguinte, já com o curso acabado, ele recebeu uma proposta de trabalho para ir até a Alemanha e o nosso namoro, que durou 3 anos, acabou do dia para a noite .
Eu não o podia impedir de avançar com a vida dele e acho que cada um de nós precisava de se redescobrir, pelo menos era o que achávamos na altura. Na verdade as descobertas não foram assim tantas e acho que se tivesse passado a minha vida ao lado dele teria sido bem mais interessante mas errar é humano.
  Dois anos depois casou-se com uma portuguesa (ironia da vida) que conheceu em Berlim. Acho que era tempo de assentar, a vida de solteiro já lhe cansava e o desejo por uma família sempre tinha sido muito grande nele, era o que eu pensava para não me fazer sofrer muito.
  Sim! Porque amor só podia ter sentido por mim. Não me deixava pensar que ele se tinha encantado por outra mulher, não me deixava imaginar que ele pudesse andar de mãos dadas com ela e cantar e partilhar o seu mundo como um dia tivera feito comigo.
  Eu fugi então do Porto e fui viver para casa dos meus avós em Vila Real. E desse tempo não há muito a contar.
***

In Anjos do Norte,Joana Almeida

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