Conto publicado em " A arte pela escrita tres "

Cartas de uma viúva

Um dia destes encontrar-te-ei por aí.

Faz de conta que vamos simplesmente tomar um café e ter uma conversa agradável. Por entre discursos sem qualquer significado saem risos, teus e meus.O empregado chega mas nós mal o ouvimos falar. Continuamos absorvidos por toda aquela magia .O espaço é lindo ,tu sabes realmente como me enfeitiçar. Ao fundo um biombo chinês antigo ,e a seu lado cortinas vermelhas transparentes. Consigo ver o jardim lá ao fundo. Está sol, muito sol aliás. Mal reparei quando te levantaste e já me estavas a pegar na mão para ir até ao sitio que observava. Passeamos juntos já sem nada dizer um ao outro, apenas sorrimos.

Paramos.

Stop.

Olhas-me, como mais ninguém o faz, e beijas-me da mesma maneira .E eu sorrio. Sim, beijar sem sorrir é como amar sem ser amado. Vamos embora dali ,com o maior desejo do mundo de nos entregarmos por completo um ao outro. E ao cair da noite, depois de palavras loucas e abraços calorosos, fazemos amor. Faço uma introspecção "sou feliz".

Nunca mais te vi por aí. Nunca mais me debrucei sobre o teu olhar, nem sobre musicas orientais, nem flores ,nem em conversas. Voltei àquele lugar. Está fechado. Se calhar só terá existido nos meus sonhos..

Meu amor.

São duas da manha e não consigo pregar olho .É como se ainda sentisse a tua presença à minha volta: o teu perfume ,o teu rasto pela casa, a tua voz perdida pelo corredor a chamar por mim, o teu toque mágico, o teu adeus.

Está uma noite fria, sinto a minha pele toda arrepiada  ,estou sozinha num quarto escuro,e a cama está bem feita ,os lençóis imaculados e lisos.

Acendo um velho charuto que antes de pertencia ,sento me na borda da cama a olhar para a janela,e deixo me inundar na fumaça.

Olhava a lua quando me dei a perguntar por ti .Mas, as paredes não falam ,uma janela é só uma janela ,e as ruas estão desertas. Saio dali para me perder por esses caminhos que antes costumávamos cruzar juntos, não sei para onde vou e para o que vou. Continuo simplesmente a caminhar...

É o romper da aurora, o começo agora de um novo dia, e eu tenho ainda cara de noite mal dormida. As pessoas passam por mim e não me vêem, eu também não as quero ver…

Porque não me levaste contigo? Quero sentir as cores fortes nos meus olhos ,a musica a entrar em mim, e nós os dois, de mãos dadas novamente, caminhando lado a lado, numa estrada que não terá fim….